PROJETO DE EXTENSÃO - EDUCAÇÃO FÍSICA BACHARELADO.pdf
Cremilda medina
1. UNIVERSIDADE DE SÃO PAULO - Escola de Comunicações e Artes
Programa de Pós-Graduação em Ciências da Comunicação
Área: Interfaces Sociais da Comunicação
Linha: Educomunicação
Disciplina: Educomunicação – Fundamentos, Áreas e Metodologias
Prof. Dr. Ismar de Oliveira Soares
A arte de tecer o ensino de comunicação
Autora
Neide Arruda e Débora Menezes
Sumário
1. Introdução: Uma Trajetória de sonhos e realizações......................................1
2. Volta à universidade..............................................................................10
3. Mídias da SUP - “comunicação a serviço do conhecimento científico”..............13
4. As outras mídias, como a rádio e a TV, também têm a mesma importância
dentro da CCS......................................................................................16
5. Educação e comunicação, uma relação transdisciplinar................................18
6. Sobre a série São Paulo de Perfil..............................................................23
7. Saber científico e mediadores-autores das mídias......................................28
8. Livros Publicados...................................................................................29
1) Introdução
Cidade do Porto, Portugal, março de 1942. O tempo era de guerra,
mas, para José e Joaquina Araújo, o cotidiano do conflito mundial não
impediu a felicidade do casal pela chegada de uma filha. Pra começar,
ela recebeu o mesmo nome da sua madrinha, Cremilda. Cresceu ao
lado da sua irmã Dina, rodeada de carinhos e mimos dos pais, dos avós
e dos padrinhos. Cursou o primário ainda na cidade natal, mas o
destino reservava para ela outro hemisfério, até então desconhecido.
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2. Em 1951, José Araújo decidiu aceitar um convite de seu tio Emídio, irmão da sua mãe
(ator que veio para o Brasil nas companhias teatro da época, havia 40 anos), feito um
ano antes, na sua visita a Portugal. Zeca, como era chamado, partiu na frente para
preparar a casa para a mulher e as duas filhas. Os preparativos para a viagem do
restante da família, se deu no começo de 1953. Além da ruptura com sua cidade,
familiares, padrinhos e amigos, a menina, então com 11 anos, teve a primeira perda
concreta na sua vida: uma bicicleta e um carrinho feito sob encomenda para ela, não
couberam no caixote só de brinquedos.
...Dois longos meses se passaram e as despedidas multiplicaram o sentimento de
tristeza até chegar ao navio, que partiria para a América em março do mesmo ano. Ao
pisar no navio Serpa Pinto, se sentiu responsável, de menina mimada e alegre,
convicta do reinado, teve que conhecer a maturidade precoce, contendo o choro, a
insegurança, o desconhecido pela frente...Não demorou e ela logo se apoderou do
navio, junto com dois meninos e outra menina, todos da mesma idade... Nos jogos de
adultos, os quatro adolescentes eram parceiros; à noite, nos bailes, aprenderam a
dançar samba e a cantar Chiquita bacana, lá Martinica... Eram 4 horas do dia 14 de
abril de 1953, o burburinho no convés anunciava a chegada ao Brasil, mas só por volta
das 7 horas o navio atracou na Baía da Guanabara, Rio de Janeiro. Uma luz nunca
vista selou o pacto com o Hemisfério dentro dela...
...A visita ao Corcovado, ao Jardim Botânico e além de Copacabana, pelas mãos do
pai entusiasmado em mostrar seu Brasil à mulher e filhas... oito dias se passaram, até
rumarem para Porto Alegre... Uma nova vida começa a ser trilhada, no início pelas
mãos dos pais... Colégio Farroupilha, reduto dos alemães... curso de inglês, de
francês, cursos superiores, de jornalismo, como primeira opção e Letras Clássicas,
para diminuir os rangeres de dentes do pai que era contra a sua primeira escolha por
uma carreira que acreditava não existir... Amigos, alegrias, lutas, dissabores,
frustrações, garra, esperança e fé... Harmonia, casamento, filhos, netos... Mestrado,
doutorado, livre-docência e titularidade...
São 340 páginas, 213 delas dedicadas à história de uma vida, dando ênfase ao
“outro” que cruzou com sua trajetória. As outras 127 páginas constam do memorial
científico. Memorial A Caminho do Hemisfério Sol para o concurso de Professor
Titular na Escola de Comunicação e Artes da Universidade de São Paulo.
2
3. Narrar o passado, o presente e, expressar objetivos para futuro, se faz necessário
que a memória divague em fatos ocorridos, mesmo que nem todos felizes; em
conversas, que muitas vezes questionaram ou romperam com muitas das verdades
consideradas como prontas ou intocáveis; em emoções, trazendo a tona o reviver de
momentos, também nem todos tão felizes, mas encarados como desafios para novas
conquistas. É assim que Cremilda Celeste de Araújo Medina descreve com leveza as
lições tiradas das experiências que se entrelaçam e marcam sua trajetória como
jornalista e educadora. Ela, que é hoje professora, doutora e coordenadora da CCS
(Coordenadoria de Comunicação Social) da USP, presidente do Fórum Permanente
Interdisciplinar da Escola de Comunicação e Artes (ECA), da qual é professora titular; e
vice-presidente do Programa de Pós-graduação em Integração da América Latina
(Prolam) da USP.
Cremilda Celeste de Araújo Medina nasceu em 16 de março de 1942 em Portugal.
Em 1953 saiu, com a família, do Porto para Porto Alegre (RS). Ainda nos anos 50
completou o segundo grau e, como qualquer jovem com sede do saber, foi em busca
dos seus sonhos, na área de Humanas. No inicio da década de 60, ingressou em dois
cursos na Universidade Federal do Rio Grande do Sul (Jornalismo e Letras). Nesse
período viveu intensamente as atividades estudantis atuando desde logo como
jornalista e cooperando com programas de educação para adultos da União Nacional
de Estudantes (UNE). Lançou-se na atividade jornalística no começo dos anos 60, na
Revista do Globo, periódico da velha Editora Globo1.
Paralelamente, como educadora, atuou na mesma década no ensino de português
e literatura em uma escola pública de segundo grau (em Camaquã, no interior do Rio
Grande do Sul, e em Porto Alegre) e na escola normal (Camaquã). Foi em 1968 que
Cremilda finalmente uniu essas duas vertentes. Contratada como assistente de cátedra
no curso de jornalismo, pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul (Ufrgs), ela
desenvolveu os primeiros passos como pesquisadora e professora universitária.
Em 1971 mudou-se para São Paulo, em busca do aperfeiçoamento profissional.
Entre 1972 e 1975, participou de um curso de pós-graduação na USP. Em Quito, no
Equador, também fez um curso no CIESPAL – Centro Internacional de Estudos
Superiores de Jornalismo Para a América Latina.
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Sediada em Porto Alegre, de propriedade de Henrique e José Octávio Bertaso, que anos depois foi vendida
às organizações Globo de Roberto Marinho)3
3
4. Mesmo exercendo o jornalismo nos primeiros anos de formada, Cremilda não
abandonou o sonho de enveredar também para a área educacional. Mas nem tudo
transcorreu na normalidade, pois foi aí que apareceu a primeira frustração profissional,
que lhe rendeu muita angústia, mas também a coragem para encarar os desafios que
viriam pela frente.
Quando fui dar aula no nível superior, comecei a ficar incomodada. O catedrático
do qual fui assistente, passava os macetes de como se fazia um jornal, mas eu já
exercia o jornalismo e tirava de letra, inclusive a diagramação de um jornal. Então,
comecei a pensar: será que isso é ser professor universitário? Questionei aquela
semente que ficou da minha formação pedagógica. Na mesma época, um psicanalista
importante em Porto Alegre, organizou no curso de Medicina da Federal o primeiro
simpósio de metodologia de ensino superior em medicina e me chamou para fazer
todo projeto de tradução e comunicação do simpósio. Ai eu fui encontrar nos textos da
metodologia que traduzi do francês, do inglês, do espanhol, toda a problemática, as
questões e desafios e a proposta de pedagogia na minha licenciatura, que servia para
qualquer área – e que na medicina é tão estratégica como em qualquer outra. Não
pensei duas vezes e entrei de cabeça nestes textos. Como eu estava ingressando na
universidade como professora, disse ‘opa’, não é só na medicina, eu também tenho
que estudar a questão metodológica no jornalismo. Com bases nas pesquisas comecei
a lecionar e ter uma receptividade gratificante por parte dos alunos.
Trabalhar numa mesa de discussão e não numa sala de aula e aplicar uma
metodologia baseada em pesquisas e estudos, provocou no catedrático um sentimento
forte de ciúmes.
Numa reunião de departamento, ele soltou os cachorros, dizendo que eu estava
sendo infiel e queria roubar seus alunos, foi um arranca-rabo... Mas eu não tinha culpa
se os alunos me procuravam entusiasmados com a metodologia aplicada. Começou aí
meu procedimento não só como professora, mas também como pesquisadora.
Décadas se passaram e continuo acreditando que o educador não pode ser apenas um
transmissor de conhecimento; ele tem que ser também um pesquisador e aplicar esse
conhecimento na sociedade. Eu era uma ‘guria’ (como diz o gaúcho), e minha
pretensão era a de fazer com que cada aluno fosse além do ensino abstrato, que
pesquisasse e colocasse em prática o aprendizado.
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5. Desolada, mas acreditando que estava no caminho certo, retirou-se da reunião
inconformada com as palavras agressivas do catedrático.
Saí da reunião muito triste e peguei uma carona, de volta para casa, com uma
colega mais velha, a Lea Brenner (que nunca mais encontrei, mas gostaria de
encontrar... não sei se está viva...). Tentei controlar a emoção, durante o trajeto, mas
caí num choro convulsivo. Foi aí que a Lea me disse: ‘você não cabe mais aqui, o seu
lugar é em Nova Iorque ou em São Paulo’. Foi assim, profética. Não sei se foi isso que
me influenciou, só sei que no ano seguinte já estava aqui, em São Paulo. Mudei por
conta de dois fatores. Primeiro esse incidente que precipitou minha vinda e segundo,
porque queria começar um curso de pós-graduação, em São Paulo, na USP. Seria o
primeiro pós-graduação em Ciências da Comunicação. E mais: a vontade de pesquisar
e não ficar simplesmente repetindo fórmulas, que já dominava, na prática profissional.
Mas o pós-graduação não começou imediatamente. Foi acontecer em 1972, um ano
depois de ser contratada pela ECA, como professora de algumas disciplinas de
Jornalismo, num período de duas grandes tensões por conta da ditadura.
Foi a partir daí que pude aplicar efetivamente a minha vertente de educadora,
ou seja: meu projeto de pesquisa na questão da educação. Comecei a estudar tudo
aquilo que já tinha acumulado da licenciatura, do congresso de medicina, e discutia
isso no Departamento na ECA, e em fóruns nacionais e internacionais (na América
Latina). A tal ponto, em Minas Gerais, em um congresso da Associação Brasileira das
Escolas de Comunicação (ABECOM), em 1974, eu apresentei um texto sobre a questão
da Pedagogia.
Nesse período de transição a professora obteve o título de mestre com a
apresentação do trabalho A Estrutura da Mensagem Jornalística , e implantou o projeto
da Agência Universitária de Jornalismo, para proporcionar aos alunos um laboratório
núcleo. As investigações sobre a reportagem geraram dois livros nessa época: A Arte
de Tecer o Presente (1973), em parceria com Paulo Roberto Leandro, e Notícia, um
Produto à Venda, Jornalismo na Sociedade Urbana e Industrial (1978). E ainda teve
tempo para trabalhar em veículos da grande imprensa, como o Jornal da Tarde, a TV
Bandeirantes e a TV Cultura.
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6. Repressão e cassações
O ano é 1974, seis anos desde o Ato Institucional número 5. Cada vez mais o
governo militar cerca os redutos de informação, tanto nas empresas quanto no curso
de jornalismo da ECA. Nessa época, um arquiteto da Faculdade de Arquitetura e
Urbanismo (FAU) arriscou-se a defender a primeira tese crítica ao Plano Nacional de
Habitação. A Agência Universitária de Notícias, que funcionava sob o comando de
Cremilda e do seu colega Paulo Roberto Leandro, cobriu o assunto – estopim para
muita dor de cabeça no Departamento de Jornalismo e Editoração da ECA.
O boletim produzido pela agência era entregue em redações de SP (capital e
interior) e no Rio, e órgãos de imprensa importantes aproveitaram a cobertura para
também fazer reportagens. O presidente da República na época, Ernesto Geisel,
enviou um telegrama para a diretoria da ECA acusando a Agência Universitária de
“órgão de imprensa atentatório à Segurança”. No dia seguinte fui na chamada à
diretoria para dar explicações ao diretor, Manuel Nunes Dias, que disse, em tom
agressivo, não estar interessado em conhecer os fatos que deram origem ao
acontecimento. Episódios dessa natureza se multiplicaram semanalmente na ECA.
No final do mesmo ano, se desencadeou um processo contra Sinval Medina (marido
de Cremilda), criador e coordenador do curso de Editoração, em 1973. Cassado num
processo sui generis cancelamento do contrato depois de uma escandalosa
reprovação no exame de qualificação de Mestrado , Medina saiu da universidade em
abril de 1975. Em protesto, três companheiros pediram demissão: Walter Sampaio
(chefe do Departamento de Jornalismo e Editoração), Paulo Roberto Leandro e
Cremilda Medina. Ao assumirem essa atitude política contra a arbitrariedade
(reconhecida posteriormente, já que Sinval Medina foi anistiado junto com os demais
cassados), provocaram, sem o desejar, a primeira greve universitária desde o Ato
Institucional nº 5.
Os estudantes da ECA entraram em greve contra o que chamaram de “Delito de
Medina” e o problema situado se alastrou por toda a USP. O movimento atingiu
significado nacional, ultrapassando as portas da universidade. O jornal O Estado de S.
Paulo e o Jornal da Tarde não quiseram saber se a questão localizada ou não, e
publicaram editoriais atribuindo a responsabilidade da greve da USP aos quatro
6
7. professores agitadores. O que nos valeu uma ordem de prisão, engavetada em
seguida.
Após sair da USP, em maio de 1975, Cremilda Medina passou a trabalhar na TV
Cultura e na Sociedade Brasileira de Física, preparando a comunicação interna e
externa de um grande congresso nacional.
Quando ainda estava na USP, conheci físicos como Ernst Hamburger, Amélia
Hamburger, José Goldemberg (já cruzara com este pesquisador nos ambientes
jornalísticos e na cobertura da energia nuclear que ele polemizava). Se já havia
trabalhado com textos dos novos físicos, o convívio direto foi gratificante. A cultura
humanizada do Instituto de Física era também um bálsamo para aquele momento de
rangeres de dentes.
Pouco antes do final daquele ano, seu colega Walter Sampaio, diretor de
telejornalismo da TV, foi substituído pelo jornalista Wladimir Herzog. Nessa época, a
Cultura exibiu um especial da rede BBC de Londres sobre os vietcongs, pauta que
repercutiu negativamente junto aos órgãos da repressão.
A trégua que parecia ter chegado, não durou. Em outubro de 1975, Cremilda
continuava como editora da TV Cultura e Vlado (como era chamado carinhosamente
pelos amigos) encaminhou à administração da Fundação Padre Anchieta uma
promoção de três mil cruzeiros para o cargo que ela ocupava, editora nacional. Mas em
vez de promoção a mensagem que veio do Palácio dos Bandeirantes ordenava sua
demissão. Vlado ficou muito perturbado e foi tentar investigar os motivos: lá encontrou
os episódios policiais de abril do mesmo ano.
Foi um período muito difícil, vivíamos os tempos pesados de uma nova onda de
repressão que visava os jornalistas e seus ambientes. De 1973 a 1975, embora a
paixão fosse impulsiva, não se tinha mais sossego na resistência. O sistema de
informantes da polícia ameaçava o cotidiano.
Dias após sua demissão, Vladimir Herzog estava morto no DOI-CODI. Novamente
desempregada, foi ao cinema naquele sábado, 25 de outubro, ver o filme Ensina-me a
Viver, na primeira sessão da tarde. Ao entrar em casa por volta de 4h30, logo em
7
8. seguida entrou Paulo Roberto Leandro, de olhos esbugalhados, que disse: Mataram
o Vlado.
Não tive forças para ir ao velório, mas na missa de sétimo dia na Catedral da
Sé, juntei-me à multidão que furara o esquema policial de isolamento da Praça da Sé,
a “Operação Guttemberg”. Chegamos a pé ou de metrô, não nem todos conseguimos
entrar na catedral onde seria rezada uma missa ecumênica. Ficamos ali na Sé
cercados por metralhadoras, todas as janelas à volta estavam engalanadas de armas
apontando para nós. No dia de sua morte, 25 de outubro de 1975, instalavam-se as
pressões definitivas para a abertura democrática.
O mês era novembro e ainda desempregada, ela caminhava pelo centro da cidade
como que procurando um rumo para sua vida profissional. A angústia parecia dominar
sua mente e ficava difícil vislumbrar dias melhores, quando encontrou um grande
amigo de rodas de samba. Era Leônidas Casanova, professor da Faculdade de
Educação da USP e redator de editorial no jornal O Estado de S. Paulo. Ele percebeu o
estado de depressão da amiga e se ofereceu para intermediar um possível trabalho no
jornal.
Alguns dias depois, Oliveiros Ferreira, editor-chefe do jornal, me convocou à
redação, explicando solidário que não tinha o melhor para oferecer, mas que eu
poderia começar no copidesque. Foram dez anos de dedicação exclusiva ao jornalismo
diário de novembro de 1975 a agosto de 1985.
Antes de completar um mês trabalhando como copidesque, Cremilda foi chamada
para ajudar em um fechamento da editoria de Artes. Em pouco tempo tornou-se
redatora, depois passou a subeditora, em seguida, editora.
Era um sábado do mês de dezembro de 1975, e a equipe estava a meio vapor
por revezamento de fim de semana, quando morreu o escritor Érico Veríssimo. O
editor me pediu para dar uma mão, já que era gaúcha. Para mim, que convivia com o
escritor e o amigo, tratava-se de passar além da dor e escrever. O perfil do autor de O
Continente saiu que nem manteiga no pão, 180 linhas em duas horas. Isso me valeu,
infelizmente porque às custas da morte de um grande homem, um convite para
trabalhar como redatora na editoria de Artes, onde assumi tempos depois a
8
9. subeditoria e mais adiante a chefia da editoria, onde fiquei nove e meio dos dez anos
de contrato com a empresa jornalística.
Durante esse período de trabalho, Cremilda continuou mantendo contatos com
pesquisadores da América Latina. Em 1982, a convite da instituição CIESPAL, lançou a
publicação Profissão Jornalista, Responsabilidade Social. Ela ainda produziu três
grandes inventários sobre os escritores vivos da língua portuguesa, a partir da visita a
sete países e contato com 124 criadores e sua obra. Parte desses inventários foi
produzida quando estava na redação do jornal. O primeiro, Viagem à Literatura
Portuguesa Contemporânea, foi lançado em 1983. Em seguida, ainda vieram A Posse
da Terra – Escritor Brasileiro Hoje (1985) e Sonha Mamana África (1987).
2) Volta à universidade
Mesmo antes de deixar a redação do jornal O Estado de São Paulo, retomou o
contato com a USP, outra vez a convite do velho amigo, José Marques de Melo. Ele
voltara à ECA, o movimento da anistia se consumava e a chamou para dar cursos de
especialização. Entre 1984 e 1985 sucederam-se, a pedido dos jornalistas que
freqüentaram o primeiro curso, mais três sucessivos.
Os cursos de especialização no Departamento de Jornalismo e Editoração, de
março de 1984 a dezembro de 1985, me sinalizaram o futuro e foi aí que vislumbrei
minha ligação atávica com a USP e aquilo que ela tem de mais próprio, a pesquisa.
A primeira vez que voltou à USP (1984) depois das tristezas da década de 70, foi
por ocasião dos 50 anos da criação da universidade. Julio de Mesquita Neto e Oliveiros
Ferreira a chamaram para essa outra missão reconstituir a história e o destino da
missão européia que trouxe para o Brasil, em 1934, uma nova idéia de universidade.
Ao realizar essa reportagem, ouvindo os mais eminentes pesquisadores,
herdeiros da primeira geração, compreendi por insight o espírito da USP, uma alma
que nem uma gestão desastrosa como a de Paulo Maluf como governador, nem a ação
da ditadura, conseguiram dissipar.
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10. A jornalista regressou à ECA em 1984, como pesquisadora e professora. Defendeu
a tese de doutorado, Modo de Ser, mo’Dizer, em 1986, quando já atuava, novamente,
como professora do departamento de jornalismo. A tese, com textos líricos sobre
personagens da região de Higienópolis, em São Paulo, foi o embrião de um dos seus
mais importantes projetos, dentro da linha de pesquisa da epistemologia do
jornalismo: Diálogo Social: Narrativas da Contemporaneidade – Série São Paulo de
Perfil2, que perdura até hoje em um fórum permanente interdisciplinar.
O projeto, que começou como uma formação de jornalistas da ECA, migrou para o
espaço interdisciplinar e hoje envolve pessoas de várias áreas – de alunos da
graduação a voluntários de um programa voltado para a terceira idade e até
participantes do Programa Latino Americano de Pós-Graduação (Prolam).
Eu saí da disciplina do currículo de jornalismo da graduação para oferecer a
disciplina que se chama Narrativas da Contemporaneidade, freqüentada por gente de
todos gêneros, de todas as faixas etárias, mas que vale crédito para os alunos de
graduação de qualquer área de conhecimento, não apenas na ECA. É interdisciplinar.
A série São Paulo de Perfil, ato culminante dessa disciplina, é composta de duas
grandes temáticas, ora traçando o perfil de determinada migração no Estado de São
Paulo, ora abordando um grande problema do cotidiano paulista, e tem por objetivo o
diálogo entre a universidade e a comunidade - através de narrativas feitas pelos
alunos, construída a partir de histórias reais. Esse projeto de pesquisa idealizado por
ela conta hoje com 26 publicações sob sua coordenação.
O projeto é tão envolvente que já existem até os amigos da Sociedade São
Paulo de Perfil, que conta com colaboradores. Por influencia da cultura do Prolam - que
é uma cultura interdisciplinar, tenho alunos e orientandos de varias áreas, os alunos
da ECA interagem com essa -, esfera e com alunos de todas as áreas de comunicação.
Não tenho projeto fechado por fronteiras, todos os meus projetos envolvem a ECA e
alunos de outras áreas de conhecimento.
2
A pesquisa que vem se desenvolvendo há quatro décadas tem por objetivo constituir a teoria e a prática
dialógica nas mediações sociais do jornalismo. Numa perspectiva interdisciplinar, os pesquisadores e alunos
agregados ao projeto experimentam a polifonia e a polissemia numa narrativa viva que recupera o cotidiano, o
protagonismo humano, os diagnósticos e prognósticos das situações contemporâneas. O ato culminante do
projeto é a edição de um livro temático da série São Paulo de Perfil, que está na 27ª edição. A recepção
externa à universidade, na escola pública de segundo grau, nas penitenciárias do Estado e nas comunidades
afetas aos exemplares da coleção, alimentam a pesquisa da linguagem dialógica.
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11. Em 1989, Cremilda prestou concurso para sua livre-docência, sob o título Povo e
Personagem. No ano seguinte, após reunir um grupo de cientistas para debater a
relação entre os vários campos da ciência, passa a desenvolver seu segundo projeto de
pesquisa: O Saber Plural e a Crise dos Paradigmas3.
Para esse segundo projeto, Cremilda reuniu, em caráter experimental, um grupo de
nove cientistas para debater a crise dos paradigmas e as possibilidades da inter e
transdisciplinalidade. Um químico, dois físicos, um matemático-filósofo, um
neurologista, um sociólogo-biólogo, um sociólogo, um psicólogo e um psicanalista
debateram o tema e o encontro constituiu um desafio plenamente assumido no projeto
que se implanta em 1992. Os debates ocorridos no primeiro seminário estão
publicados sob o título Novo Pacto da Ciência (1991). A série já está no oitavo livro e é
coordenada e organizada por Cremilda, sempre com a proposta de diálogo entre os
vários campos da ciência contextualizada nas disciplinas de graduação e de pós-
graduação oferecidas na ECA e no Prolam.
Começava ali uma interlocução que iria constituir o Projeto Plural e a Crise de
Paradigmas, logo credenciado junto ao Conselho Nacional de Desenvolvimento
Cientifico e Tecnológico (CNPq). A pesquisa integrada deu inicio a uma série de títulos,
dos Anais do I Seminário Transdisciplinar. A série Novo Pacto da Ciência reúne
pesquisadores, jornalistas, cientistas, pensadores e artistas debatendo temas da
atualidade. O oitavo livro, Ciência e Sociedade Mediações Jornalísticas, (2005), mostra
uma preocupação com outros nós da comunicação social, propondo que as fontes
especializadas do saber cientifico e mediadores-autores das mídias se desarmem,
abandonem velhos preconceitos de parte a parte e procurem, juntos, o
aperfeiçoamento da dialogia democrática. Esse projeto foi organizado do segundo até
o penúltimo livro por mim e pelo sociólogo Milton Greco de outra universidade, que foi
meu co-autor durante seis edições das oito já publicadas.
Incansável, mesmo atarefada com a continuidade dos seus projetos, em 1993
Cremilda Medina apresentou seu Memorial A Caminho do Hemisfério Sol com 340
3
Com um histórico de 15 anos, o projeto encontra-se na terceira fase de desenvolvimento e se articula, no
âmbito da pós-graduação e na epistemologia do Jornalismo e da Comunicação Social, com o projeto Diálogo
Social. Narrativas da Contemporaneidade que pesquisa as dialogias. Neste caso, trata-se de articular os
diferentes saberes - científicos, artísticos e localizados na experiência do cotidiano - em torno de encontros
temáticos, contribuições ensaísticas de caráter especializado ou de reportagem autoral.
11
12. páginas, dividido radicalmente em duas partes, para o concurso de Professor Titular na
Escola de Comunicação e Artes da Universidade de São Paulo.
A diferença mais radical no meu memorial para o concurso de titularidade, é
essa divisão em duas partes. A primeira parte é o memorial afetivo, em papel amarelo,
a segunda em papel cinza o memorial cientifico. No amarelo eu narro história de vida,
não em função de mim, mas em função dos convívios que tive ao longo de minha
trajetória, dando grande ênfase no ‘outro’ que encontrei nos meus percursos pela vida
afora. No cientifico havia a parte dos documentos e toda a construção de minha
trajetória profissional. A banca formada, como de praxe, por pesquisadores
renomados, não se deteve nas páginas cinzentas, preferiu as amarelas... Só ligaram
para a narrativa amarelinha, a que reconstitui a aventura sócio-cultural dos anos 50
aos anos 1990.
3) Mídias da SUP - “comunicação a serviço do conhecimento científico”
Desde 1999, Cremilda divide-se entre os projetos de pesquisas, as aulas na
graduação e na pós da ECA; orientações de mestrado e de doutorado, e a função de
coordenadora da Coordenadoria de Comunicação Social (CCS) da USP. Aqui, a
profissional concilia todas as experiências para trabalhar pela “comunicação a serviço
do conhecimento científico”. A semente para o desenvolvimento do setor foi a Agência
Universitária de Notícias, criada em 1971 como um órgão disseminador de informações
sobre a produção da universidade. Hoje a Agência USP de Notícias 4 é um dos principais
projetos da coordenadoria, e leva informações para vários veículos de comunicação do
Brasil.
A proposta é mostrar que não só a universidade tem o que dizer para sociedade,
como também a sociedade tem o que dizer para universidade. De maneira que o
4
Com avançados recursos da informática, a agência constitui-se na base de um projeto que pretende valorizar
a inserção de pesquisadores e docentes da USP nos veículos de comunicação. Propicia o acesso dos
professores e outros membros da comunidade uspiana aos veículos de divulgação, facilitando a inserção dos
trabalhos junto à sociedade e identifica tendências dos meios de comunicação em relação ao serviço que a
Universidade pode prestar às diferentes mídias. A Agência USP também produz o Clipping USP, transmitido
eletronicamente, em versão digital, a todos os órgãos administrativos da Universidade. O material traz, em
duas ou mais edições diárias, as principais notícias sobre a Universidade ou de interesse da comunidade
universitária como Educação, Cultura, Ciência e Tecnologia, publicadas na imprensa. A redação é
responsável ainda pela elaboração diária de notícias em outros sites da Universidade, como o Portal da USP e
o Portal Saber. (fonte: www.usp.br/agenciausp)
12
13. jornalista, que é um comunicador por formação, seja principalmente um autor
mediador, e não um simples tradutor das mensagens que vêm das fontes.
Através da coordenadoria, muitas produções das mídias da USP puderam
desenvolver uma unidade interna e trabalhar voltadas para o “signo da relação”. O
próprio departamento de relações públicas e marketing tem destaque nesse processo,
pois contribui com a participação valiosa em projetos como o Estação USP, um festival
de inverno, realizado em várias cidades do interior e no litoral de São Paulo, com o
objetivo de levar a universidade até essas comunidades, através de atividades
culturais.
Quando cheguei na Coordenadoria de Comunicação Social, em outubro de 1999,
as mídias que encontrei estavam completamente isoladas umas das outras, não só por
andar (as pessoas usavam o mesmo elevador e nem se conheciam). O jornal da USP,
a rádio, a agência (o portal da USP ainda não estava montado) e a TV USP estava
começando. Não havia a divisão do Departamento de Relações Públicas e Marketing,
que é muito importante. Hoje, por exemplo, o festival de inverno que já está no quinto
ano, é uma iniciativa dessa área da coordenadoria e é onde se pratica mais o signo da
relação. Ou seja: a comunicação sociedade-universidade, universidade-sociedade. Por
exemplo: eu estive dando uma Oficina de Narrativa em Mococa e recebi textos
maravilhosos das pessoas que participaram: desde um senhor carteiro, que não tem
formação superior, até professores e uma psicóloga, numa turma de 25 pessoas
heterogêneas que vão participar de uma iniciativa de uma extensão cultural da USP e
devem fazer um livro comigo.
As mídias que estão sob a responsabilidade da CCS são: o Jornal e a Revista da
USP, a revista eletrônica Espaço Aberto (voltada para os funcionários), a Agência USP
de Notícias, a Rádio, o Portal e a TV. A tevê também colabora na produção de
documentários que são veiculados por outras TVs de cunho educativo, como a Cultura.
O centro de recepção ao visitante, na entrada principal da universidade, também está
ligado à coordenadoria.
As mídias da universidade que compõem a Coordenadoria, estão integradas em
um novo organograma desde 2000. Hoje elas são orgânicas e tem um projeto de
comunicação social que se diferencia das assessorias de imprensa, das assessorias da
reitoria, das outras unidades da USP e das prefeituras da universidade, no interior. As
13
14. mídias reunidas na CCS, estão voltadas para o signo da relação - portanto, não é uma
divulgação cientifica, é uma comunicação social. Para mostrar essa diferença não tem
sido fácil. É uma verdadeira batalha, não só com as pessoas ligadas a informação, mas
também com uma base de conservadorismo que ainda existe na USP. No caso dos
profissionais da coordenadoria, que são todos concursados, esses tiveram
oportunidade nos últimos seis anos de participarem de workshops para que
percebessem a diferença entre divulgação e comunicação.
As mídias sob a coordenação da CCS passaram por uma grande reforma
administrativa após esses workshops. E a vivência jornalística de Cremilda contrbiui
bastante para esse processo.
Não havia reunião de pauta, para facilitar o cumprimento das tarefas de cada
veículo. Havia uma competição de quem dava a informação primeiro. Diversas equipes
saiam para cobrir um mesmo assunto, o que era um grande desperdício. Criei como
ponto de partida as segundas-feiras, para discussão e elaboração de pautas, com a
participação de todos. Hoje, isso já existe com todos os diretores de mídias e veículos,
planejando o que se vai produzir durante a semana, como se faz em qualquer veiculo
de comunicação, em qualquer empresa jornalística. Essa parte foi uma das coisas mais
gratas do projeto, foi estabelecer uma articulação que só foi possível por meio dos
workshops, porque em primeiro lugar tinha que haver um signo da relação interna,
para depois se propor um signo da relação com a sociedade. Então começamos pelo
quintal, logo nos primeiros anos em que assumi a coordenadoria, a seguir essas
prática se estendeu aos campi da USP no interior do Estado. O meu objetivo foi o de
criar uma mediação social interna e do interno para o externo, sem privilégios.
Todas as mídias de responsabilidade da CCS estão dentro de um organograma
horizontal e sem o privilégio que é comum dentro das empresas jornalísticas, de uma
editoria ser mais nobre do que a outra.
As coisas foram surgindo, horizontalizou-se todas as mídias. Existe o gabinete
da coordenadoria, aí criamos espaço para assessor de pauta, que não existia, para
municiar todas as mídias e para captar pautas também dos institutos de pesquisas
externas a USP e do exterior, para freqüentar os sites. A área de administração que
está ligada ao gabinete tem um corpo administrativo, com orçamentos e toda a sua
complexidade. Depois, vêm as mídias. A sinergia foi uma das propostas, mas antes
14
15. dela havia a questão da organização, da articulação, das mídias dentro de um
organograma. Que não tivesse aquela coisa que é comum nas empresas jornalísticas,
de uma editoria ser mais nobre que outra, até mesmo em termos de salário.
Para que todas os veículos de comunicação pudessem funcionar voltados para um
contexto social, dentro e fora da universidade, além das novas diretrizes
administrativas, se fez necessário a implantação de uma infra-estrutura
minuciosamente estudada para superar as dificuldades, que não foram poucas. Com
conhecimento de causa, Cremilda descreve como foi possível diagnosticar os
problemas e pôr em prática o projeto de comunicação para as mídias da USP.
É bom lembrar que a Agência Universitária de Noticias, montada na ECA em
1971 tornou-se um laboratório de grande êxito. A idéia da criação foi do Freitas Nobre,
que sugeriu para José Marques de Melo, no final da década de 1960. Mas ele era
professor de Ética e Legislação, e aí o José Marques passou para mim e abracei a
idéia. Montei a AUN, que é também a semente do que depois veio a se desenvolver na
coordenadoria de Comunicação Social. Essa agência hoje é, para mim, a coluna
vertebral da Coordenadoria de Comunicação Social. Fazemos várias ações, como um
convênio entre a Agência Estado e a nossa agência, que envia material para todos os
jornais. Isso faz as noticias circularem mais. É uma área muito importante e
estratégica.
4) As outras mídias, como a rádio e a TV, também têm a mesma importância dentro
da CCS.
A Rádio USP tem 27 anos e foi o primeiro projeto da coordenadoria, mas
paralelamente havia um serviço informativo que era inspirado na AUN que é de 1971.
A emissora, hoje, não é só Rádio USP, é a primeira rede universitária de Rádio no
Brasil, porque nós conseguimos articular com a Radio de Ribeirão Preto da USP e Rádio
da USP São Carlos. Pirassununga vem tentando uma concessão. De maneira que a
rádio entrou em rede atuando não só na capital, mas também no interior, onde
também existe a programação local. Foi um trabalho sofrido por que a concessão de
Ribeirão Preto demorou 15 anos para sair e a de São Carlos foi complicada.
Para o Jornal e a Revista da USP que são impressos, existe uma articulação do
corpo fotográfico, e do corpo de designers, das equipes de redação.
15
16. Quando assumi a coordenação da CCS, a TV USP estava iniciando e o grande
problema era que não havia um corpo de profissionais, apenas estagiários. Tive que
lutar pela abertura de cargos, e é sempre uma batalha campal para a universidade
abrir um cargo, para um profissional da área. É um canal a cabo, dentro de um
consórcio de nove universidades, onde a USP tem um assento importante porque a
nossa programação é bastante diferenciada. O fato de não ser um canal aberto, e não
ser um canal somente da USP, tendo apenas uma fração de tempo dentro da
programação, levou a coordenadoria a investir muito no desdobramento da TV USP. O
investimento está na produção de documentários que também circulam por outras
mídias externas. A TV USP tem a produção para o canal universitário que está dentro
dos horários como qualquer emissora de TV e tem também a produção a médio prazo,
que é a de documentários, inclusive para as instâncias da universidade que solicitam
esse tipo de produção. O próprio vídeo documentário sobre a Universidade de São
Paulo, foi produzido pela TV USP. Além disso, também é comum ver matérias
produzidas sendo exibidas em muitas outras emissoras de TV.
Ainda não cheguei no setor mais febril que é o da informação on-line. É aí que
entra, novamente, a parceria da Agência USP de Notícias, através do portal
www.usp.br. O portal estava em estudo quando cheguei na coordenadoria, implantado
experimentalmente em 1999, e só inaugurado em 2000.
Também está sob a responsabilidade da CCS o Centro de Visitantes que fica na
entrada principal da USP, e serve de apoio para quem passa pela universidade, ou
quer conhecê-la e precisa de informações.
O Centro de Visitantes também passou por uma reformulação total. Hoje,
realmente é um Centro de recepção, de Comunicação Social a serviço do visitante,
pelo menos é o que nós procuramos fazer.
Cremilda quer expandir ainda mais a USP nas comunidades. Um de seus
projetos futuros é levar as mídias da CCS para as escolas públicas, através de uma
espécie de “ônibus-redação” equipado com computadores, para que os alunos possam
navegar pelo conteúdo produzido pela universidade. Esse projeto pode incluir, ainda, a
produção de um “Jornal da USP” voltado para o público escolar.
16
17. Com a experiência de pesquisa da série São Paulo de Perfil, temos condições de
abraçar um trabalho desse tipo. O investimento maior nesta proposta é a
coordenadoria ter um ônibus montado, como o que existe na PUC de Porto Alegre (RS)
que tem um projeto muito bonito neste sentido. A nossa proposta é que o ônibus
tenha computadores, que darão acesso ao portal, a navegação aos trabalhos da USP,
que o jornal tenha uma edição voltada para as escolas e algo voltado para teatro,
como o Festival de Inverno que produzimos, pois temos experiências em oficinas
ambulantes. Há muitas possibilidades de avançar com essa ação afirmativa e
comunicativa, só estamos aguardando uma definição da política de comunicação da
nova reitoria.
5) Educação e comunicação, uma relação transdisciplinar
Com tantas experiências interdisciplinares, envolvendo públicos diferenciados
dentro da própria USP e de comunidades externas, Cremilda deixa claro a existência
de uma interface importante entre a comunicação e a educação em seus projetos.
- Trabalho muito com educadores de ciências exatas, ciências sociais e qualquer
área do conhecimento. O assento na educação é algo que me interessa muito. Tenho
um texto que apresentei no encontro da Sociedade de Geografia no Rio Grande do Sul,
onde proponho claramente essa interface. No meu livro mais recente, A arte de Tecer
o Presente também passo por esse eixo. Insisto na vertente do cotidiano, que a
educação e a comunicação precisam dar as mãos. É importante salientar a
experiência com a Terceira Idade, que entra também nesse contexto e traz um fluxo
muito forte para a questão pedagógica, educativa e de dinamismo social para fora.
Comecei a trabalhar com eles, esperando que trouxessem para os jovens um acervo
de histórias, mas o caminho foi outro. Meu objetivo inicial foi o de contaminar os
jovens com as historias e as memórias. Mas eles não querem saber disso, eles querem
é construir a história do outro, hoje.
No final de março deste ano foi aprovado pelo Conselho do Departamento de
Comunicações e Artes da ECA, o curso de Licenciatura em Educomunicação, proposto
por cinco professores doutores e revisto por mais quatro também professores doutores
da área de Ciência da Comunicação. A nova habilitação estará “voltada a preparar
profissionais em condições de se dedicarem às práticas educativas relacionadas ao
17
18. ensino da comunicação, suas linguagens e tecnologias, atendendo às normas criadas
pela LDB – Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional”. Cremilda comenta sobre
essa iniciativa.
No caso da educomunicação, a primeira proposta é essa de tentar chegar nos
professores. Ainda que não haja a oportunidade de trabalhar com uma formulação do
educomunicador dentro da escola, pode-se trabalhar desde já diretamente com os
professores, através dessa licenciatura. Por outro lado acho importante que esse
educomunicador também busque uma formação em comunicação social, para que
tenha condições de aplicar seus conhecimentos com melhor bagagem.
É muito antiga está proposta da Educomunicação, mas nunca foi aceita. Não
saberia dar assim fatores explícitos. Acho que pode ser uma questão de reserva de
mercado, corporativismo, certamente é. Depois também vem a batalha que não
termina: nunca a comunicação atinge o estatuto de conhecimento respeitável. Todo
mundo se acha no direito de ser comunicador ou ser jornalista. Por isso as pessoas, as
autoridades, até então rejeitavam essa proposta. Acho que foi difícil para todas as
artes, mas hoje já se aceita arte no currículo escolar, como teatro, por exemplo. Com
a Educomunicação não vai ser diferente.
Sempre estive próxima da Educomunicação. Nós estivemos juntos, o Ismar de
Oliveira Soares, o José Coelho Sobrinho, o Sinval Medina e eu, num projeto de
consultoria da Revista Sem Fronteira5, isso lá atrás (1992) e partilhamos ali naquela
ocasião um projeto desafiador e ousado. Discutimos a questão de reportar a voz dos
outros e não ficar persuadindo da tribuna, do púlpito. Então, a gente partilhou das
discussões e das pesquisas. Foi assim que tive uma aproximação com o Ismar e
conheci seu empenho na área da Educomunicação. Estou acompanhando e sou
solidária com ele desde cedo.
5
“Surgiu em 1992, uma oportunidade que merece especial registro. A congregação dos combonianos no Brasil solicitou a
um grupo misto( pesquisadores da USP e mais dois profissionais fora da universidade) uma profunda avaliação da revista
Sem Fronteiras, por ocasião de seus vinte anos de atividade. Nesse projeto, atuei com Sinval Medina, e desenvolvemos a
pesquisa de estrutura editorial e texto da revista. José Coelho Sobrinho, do Departamento de Jornalismo e Editoração da
ECA, se encarregou dos estudos gráficos (desenho e diagramação da revista). A pesquisa de audiência ficou sob a
coordenação de Mauro Wilton de Souza, também da ECA. Wilson Mário Antonelle, profissional de marketing,
desenvolveu estudos sobre a expansão da revista no mercado brasileiro. A equipe foi coordenada por Ismar de Oliveira
Soares (...). O que me coube, mergulhar na concepção editorial e formulações de texto, pôs à prova a teoria e a prática que
venho desenvolvendo, há 30 anos, quase sempre independente dos modismos do mercado e das escolas de jornalismo que
assumem certas cartilhas. Em síntese, tenho trabalhado, num perfil de vida inteira, no signo da relação que passa
obrigatoriamente por uma definição ética (humanização do discurso da atualidade), pela construção de técnicas
mediadoras (o diálogo possível), iluminadas pela pesquisa estética (dos códigos burocráticos aos códigos criativos,
reveladores)” - Trechos do Memorial A Caminho do Hemisfério Sol, de Cremilda Medina (1993).
18
19. O lado pedagógico da professora Cremilda é latente. E, com propriedade de quem
realmente conhece a área, ela faz uma análise da educação no Brasil de ontem e de
hoje, as conquistas e os retrocessos no processo educacional do país.
Fiz Letras e Jornalismo. E ao fazer Letras, fui para a questão da licenciatura e
tive a oportunidade de participar de uma formação didática do núcleo mais avançado
do Brasil, que era o da Universidade Federal do Rio Grande do Sul. No inicio dos anos
1960, educação era atividade de ponta nessa universidade. Observei, no entanto, que
poucos alunos se empenhavam na formação didática.
A educação ocupou um espaço no imaginário e nas discussões teóricas muito
forte nos anos 1950 e 1960. Não era moda, acho que era uma questão muito
contundente, que era o acesso à cidadania de novas sociedades que iriam se formar
na década de 60 em diante. Por exemplo, toda a constituição dos países africanos pós-
independência, os desafios dos países asiáticos, da América Latina, o sul do planeta
estava todo em ascensão para uma vocalização histórica, para uma cidadania. E nesse
sentido a Educação era o eixo como é até hoje. Então, os cursos de didática lançavam
estas novas propostas, é o momento em que se constituem os colégios de aplicação,
como a extensão da escola de formação de educação, pedagogia, onde fiz alguns
estágios. Em 1963, fiz um estágio com portadores de deficiência. Ai eu via que meus
colegas, na grande maioria, só iam às aulas, mas não aplicavam nada, não faziam
realmente uma renovação, um projeto de pesquisa minimamente pedagógico, no seu
exercício de educador. (...)
A universidade dá essa oportunidade de se construir esse laço com presente e
com os seus parceiros de história. Foi assim que percebi a escola desde o segundo
grau, as discussões que nós tínhamos sobre os problemas brasileiros, inclusive sobre
Nordeste, que era nossa preocupação maior, nossas discussões eram mais
importantes do que os conteúdos formais da sala de aula. Ai eu entro na universidade
num período de construção do Brasil justo, rompido em 64, na noite da minha
formatura. Então desde sempre não percebo a escola como um lugar ilhado, vejo
como a possibilidade de encontrar o outro, o parceiro de história, percebendo o que
pode ser feito junto.
19
20. Eu prefiro trabalhar com a noção de que a história vai pra frente, vai pra trás e
vai para os lados, e não só para frente. Com uma pitada de progresso. Isso se aplica a
tudo. Quando voltei a trabalhar no Departamento de Jornalismo e Editoração da ECA,
em 1986, imaginava que dava para retomar os laços com o início dos anos 70, mas as
pessoas estavam muito individualizadas, cada uma no seu projeto. Não havia chance
nenhuma de re-agrupar, por exemplo, em termos pedagógicos - o Coelho sabe bem
disso – a gente tinha conseguido montar a coordenação de disciplinas. Foi uma
iniciativa pedagógica e didática voltada para o ensino superior, nos anos 60 e 70 que
levei também para América Latina, via CIESPAL.
— Então eu achava que dava para retomar essa proposta que nós chegamos a
executar de 70 a 75 no Departamento de Jornalismo da ECA, de agrupar até quatro
disciplinas e fazer projetos comuns. Mas só a saga da minha procura por uma sala de
trabalho, no Departamento, já dá uma história exemplificadora. Não havia sala para
todo mundo e a convivência de quatro professores numa mesma sala era impossível e
inviável. Eu não conseguia entrar num grupo, porque recebia mil boicotes, não vou
falar em nomes, mas determinados professores e professoras implicaram com minha
prateleira de livros que fazia uma divisória, e que abrigava os livros e trabalhos dos
alunos. O professor Coelho generosamente pediu para os carpinteiros da USP fazerem
uma estante de compensado para me auxiliar, mas fui expulsa da sala, porque
achavam que aquela estante era anti-estética, era horrorosa dentro da sala. Isso era
um sintoma de que efetivamente não dava para retomar o espírito, o clima, a proposta
do início dos anos 70 que era uma proposta tão ousada que foi paradigma para toda a
América Latina.
Com quase três décadas voltadas para a área do ensino, Cremilda não esconde
suas convicções da necessidade na prática do laboratório, como o melhor caminho
para que haja a criação de novos conhecimentos e a dialogia entre educador e
educando.
Minha convicção constante, minha prática como educadora é o laboratório. Sem
ele você não trabalha a criação do conhecimento. E essa criação não é o professor
apenas quem administra. A criação do conhecimento depende da dialogia, da relação
entre o educador e o educando. O laboratório é estratégico, nele se pesquisam novos
conhecimentos que, por sua vez, são administrados e trabalhados pelos alunos. E
esses alunos também se descobrem como pesquisadores de novos conhecimentos. E
20
21. quando eu falo de novos conhecimentos na esfera de jornalismo, por exemplo, falo de
novas técnicas de trabalho, nova forma de narrar o que está acontecendo à volta, o
que chamo de Narrativa da Contemporaneidade.
Tenho dois netos e acompanho de perto o desenvolvimento educacional deles, e
com isso fica fácil diagnosticar a diferença e capacitação existente no educador de
hoje. Por exemplo: a professora da minha neta Alice pautou um trabalho onde as
crianças deveriam dialogar com os poetas de uma lista de nomes que ela forneceu, e
depois as crianças deviam criar seus próprios poemas, organizando em seguida um
livro. Para uma grande maioria de professores do ensino fundamental, dos dias atuais,
o poeta e escritor José Paulo Paes é um ilustre desconhecido. E Paes tem poemas para
crianças que são incríveis. Alice, minha neta, disse à professora que tinha o livro desse
poeta em casa, e que adorava. A menina, por conta própria, selecionou os poemas que
queria e acrescentou os criados por ela. Após uma leitura crítica dos seus poemas
deixou de fora aqueles que, na sua opinião, não eram dignos de fazerem parte do
livro, e até declarou porque os deixou de fora! Ela própria digitou o livro, eu li e
adorei. Não é que a professora deu a Alice o conceito “B”, porque ela não colocou
todos os poemas sem seleção. Na exposição que houve na escola (tive vontade
roubar) estava o livro produzido por Alice, lindinho. Vá entender a cabeça dessa
professora... É claro que essa criaturinha ficou desmotivada, revoltada. Por que ela
não tirou uma nota melhor, se ela teve um espírito critico com os próprios poemas.
Realmente, a questão do educador continua algo muito sério, por isso que a
escola está em crise.
Por outro lado, o Gabriel (outro neto) que está no terceiro ano do segundo grau
participou de uma proposta que é tradicional na escola fazer uma peça de teatro. Ele
estava sempre empolgado com os ensaios. Reunimos toda família e lá fomos nós
assistir à peça. Fiquei maravilhada com o estado de motivação e de decisão dos
adolescentes. A proposta era a de fazer uma releitura dos contos infantis. Ora, para
um adolescente (17 anos) ir até os contos infantis, é preciso ter muita vontade, ser
muito seguro, para não achar que aquilo era um ato infantilóide. O professor de teatro
da escola abriu o laboratório para que os adolescentes fizessem tudo, ele apenas
coordenou. Os alunos fizeram uma releitura bem humorada, criativa, pelo lado lúdico,
sem querer saber qual a moral da historia. Com cenografia criada por eles,
entrosamento de uma história com a outra, Branca de Neve, com Peter Pan, com A
21
22. Bela e a Fera etc. Por exemplo, a trilha musical que esses jovens escolheram, foi
tocada por eles em cena. Muito criativa e a gente se divertiu muito e eles, também.
Eu acho que a educação se efetiva pelo lúdico. A experiência de fazer jornal
na escola, eu me lembro também do Gabriel no primário, chega em casa e me diz:
Olha vovó, hoje eu fui escolhido como editor de esportes (risos). Depois eu vi no
jornalzinho a crônica esportiva que ele tinha escrito, todo palmeirense e tal. Eles estão
metendo a mão na massa e pronto. Descobrirem o que está por dentro disso aí, são
outros quinhentos. Cabe ao educador, provocar a criatividade do educando e
permitir que eles se envolvam em todo processo.
6) Sobre a série São Paulo de Perfil
Quem se depara com a tese de doutorado de Cremilda Medina, Modo de Ser,
mo’Dizer (1986), se surpreende. Ao invés de considerações teóricas sobre
comunicação, lê-se textos como o trecho abaixo:
“Dona Arminda, a grega, ou a judia, corre num pé só para atender a clientela. À
volta dos 60 anos, inteira, de calças compridas, modernas no corte, cabelos pintados,
unhas também, despacha com eficiência: a senhora que busca uma lã para acabar o
tricô para o neto; o menino que quer caderno e cola Pritt; mãe e filha que vêm
comprar um tipo especial de linha brilhante, para bordar; o senhor que procura um
presentinho, brinquedo, de preferência, para o neto que vai lá em casa hoje; a velha
dama que escolhe outro presente, pode ser roupa, bijuteria, uma coisinha qualquer, a
sobrinha não é muito exigente... os tamanquinhos ortopédicos de dona Arminda, toc-
toc, atravesam o Bazar Buenos Aires Ltda.” 6
A saga de dona Arminda e de outros paulistanos de Higienópolis deram suporte ao
doutorado de Cremilda, com uma linha que ela defende até hoje nas aulas de
Narrativas da Contemporaneidade e nas lições da série São Paulo de Perfil: a dialogia
social, incentivando os autores a buscar a essência dos personagens. Ao fazer essa
busca, os participantes mexem com “emoções, dogmas e estratificações” para chegar
a uma boa história – e, conseqüentemente, a uma boa reportagem.
6
Trecho que faz parte da tese doutorado e posteriormente publicado em: A Arte de Tecer o Presente. Editora
Summus, 2003.
22
23. Para Cremilda, cada livro publicado na série vem de um aprendizado onde a
reflexão sobre a criação de um texto, o enxergar além da técnica para humanizar a
forma, a partilha do conhecimento da faculdade com a sociedade, são desafios a quem
ensina jornalismo. A professora encarou o desafio, que reúne a prática da reportagem,
o laboratório, e a produção de conhecimento acadêmico.
—Para mim, (produzir os livros-reportagem da série São Paulo de Perfil) é
conhecimento científico, e isso eu sempre falo para meus alunos de pós-graduação,
para se preocuparem em estar sempre medindo as conseqüências sociais da pesquisa.
Assim como também, do ponto de vista pedagógico, de educação mesmo, eu não sei
trabalhar sem laboratório. Não dá para você ensinar na abstração, no mundo das
idéias, no mundo da teoria lingüística, por exemplo. Você tem que colocar a mão na
massa em qualquer área de conhecimento, porque o laboratório é o toque na questão
concreta, a maneira de você desenvolver um conhecimento qualquer. Sempre fiquei
em estado de choque com o ensino de ciências nas escolas. Como é possível discutir
botânica, zoologia e outras ciências sem laboratório? Como é possível trabalhar com
linguagem sem laboratório? Como é que possível trabalhar com história, sem
laboratório. Então laboratório é o eixo pedagógico de um educador. Não sendo
educador, ele faz papel de transmissor, um simples difusor da bibliografia.
Para os alunos que a cada ano tecem suas narrativas, a fim de compreender e até
experimentar o contexto sócio, político e cultural da contemporaneidade, as oficinas do
São Paulo de Perfil são uma oportunidade para exercer o humanismo e a criatividade.
Tão distantes, às vezes, do jornalismo atual – embora nem só jornalistas e estudantes
de comunicação participem dessas aulas.
Graças a essa relação de humanização com os personagens e temas abordados
nos livros, eles ultrapassam as portas da universidade e atingem o universo cotidiano,
trazendo mudanças para as comunidades participantes que vão muito além da auto-
estima. Cremilda lembra com carinho o lançamento do livro A Casa Imaginária, tema
do São Paulo de perfil em 1990. A pauta geral abordava a habitação e, no caso de uma
das narrativas, se levantava a história do primeiro mutirão em São Paulo, na Vila Nova
Cachoeirinha.
23
24. — Fizemos o lançamento lá na vila Nova Cachoeirinha, e percebemos que as pessoas
se estimularam a ir atrás de seus direitos de moradia; foram na Prefeitura com o livro
na mão, fizeram o maior agito em um congresso sobre habitação que houve naquele
ano. Houve até uma segunda impressão desse livro, enviada para um fórum na
Holanda, como exemplo de instrumento comunitário na luta pela cidadania.
Graças ao esforço não só de Cremilda, mas dos alunos, esse projeto continua de
pé. Alguns participam da “Sociedade Amigos do São Paulo de Perfil” e outros, como
Katiuscia Lopes, investem em atividades que envolvem os livros (leia o relato da aluna
de mestrado abaixo). Esse incentivo vai ao encontro dos objetivos do projeto –
principalmente ao de reforçar o papel da universidade como fonte de estímulo,
criatividade e pesquisa – e não só o intuito de formar profissionais para o mercado.
Para finalizar, nas palavras da própria Cremilda, em A Arte de Tecer o Presente –
Narrativa e Cotidiano (Ed. Summus, 2003).
“Os relatos de atualidade – ou jornalísticos – acusam, portanto, um déficit de
criatividade que constitui o desafio da pesquisa nessa área. E não são as empresas
que vão dar conta dessa demanda, porque elas são quase sempre reforçadas na
tradição, que tem por lastro o cientificismo. Um beco sem saída? Não parece. Há sinais
ou pontos luminosos no horizonte. Primeiro porque autores sensíveis, aqui e ali, se
revoltam contra esses estrangulamentos. Em livros-reportagem ou em matérias
veiculadas nos meios tradicionais surgem trabalhos que tocam de perto a saga
anônima. Depois, algumas universidades procuram suas identidades, pesquisam e
propõem transformações (afinal, os cursos universitários de jornalismo acumulam uma
história de mais de cinqüenta anos); em terceiro lugar, a crise de paradigmas que
abala a ciência e as técnicas estabelecidas (inclusive as que instruem a comunicação
social) a todos contamina. Nos diferentes esforços de desmontagem das mentalidades
conservadoras impõe-se a inter-disciplinaridade, que, por sua vez, avança para a trans
e a pós-disciplinaridade”.
A terceira idade também ganhou espaço para produzir suas próprias narrativas. O
projeto Reproposta, que nasceu de uma disciplina –oficina chamada A Aventura de
Fazer Jornal (com o professor Manuel Carlos Chaparro), transformou-se em um site –
o www.reproposta.org.br. Participantes da Universidade Aberta a Terceira Idade são os
repórteres, que escrevem sobre temas como saúde e mente, cultura, protagonismo.
24
25. Em 2005, a turma ganhou uma disciplina de narrativas com Cremilda Medina e
publicou, esse ano, o Reproposta – A Revista da Terceira Idade Para Todas as Idades.
O rico universo dessas pessoas resgatou suas histórias de vida, suas perspectivas de
futuro e sua auto-estima.
Da publicidade para as disciplinas
(Depoimento de Katiuscia Lopes sobre seu trabalho com Cremilda Medina,
especialmente na série São Paulo de Perfil) 7
- Prestei vestibular pra Publicidade em 2000. Vim de um colegial com ênfase em
Exatas, e de uma família em que meus irmãos já haviam entrado na sonhada USP em
cursos tidos como "sérios" (Odontologia e Engenharia). E, apesar de eu saber que
minhas características pessoais poderiam ser aplicadas em profissões das
Humanidades, em especial da comunicação, a escolha de publicidade foi no último
momento. Escolha que foi até o bem vista pelo meu meio social, uma vez que havia a
fama de que era uma profissão que "dava dinheiro”. Passei no vestibular, entrei na
USP.
Já nos primeiros dias de aula me decepcionei com a pouca estrutura física e o
estilo de aula dos professores. Após três meses de algumas poucas aulas (muitas
disciplinas estavam sem professores, formando janelas na grade curricular), a
universidade entrou em greve, com 48 dias de paralisação. Foi um choque. Quando as
aulas voltaram, restaram 11 da minha turma de 18 alunos.O clima de desânimo e
frustrações tomou a todos, mas mesmo assim, persisti no primeiro ano e decidi correr
atrás do prejuízo, preenchendo todas as janelas com disciplinas optativas.
Foi quando no segundo ano freqüentei a disciplina, Narrativas da
Contemporaneidade, proposta pela professora Cremilda Medina. Fiquei encantada,
logo nas primeiras aulas. Toda aquela gana que eu tinha por criatividade, que o curso
de publicidade teoricamente poderia me oferecer e não oferecia, eu pude canalizar
para a construção de narrativas.
Acabei recebendo um convite para ser aluna bolsista do projeto São Paulo de
Perfil. Na época, estávamos escrevendo o livro Sagas do Espigão - 90 anos de
7
Katiuscia Lopes é publicitária, assistente e colaboradora do Fórum Permanente Interdisciplinar, e
mestranda em Teorias da Comunicação. Seu projeto de pesquisa, orientado por Cremilda Medina, é voltado
para a leitura sob o signo da relação.
25
26. Medicina (2002), e minha dedicação me rendeu, no ano seguinte, uma Menção
Honrosa no 11º Simpósio Internacional de Iniciação Científica da USP. Minha bolsa foi
renovada o que me possibilitou participar da feitura de mais um livro da série, Os
Caminhos do Café - Paranapiacaba, Museu Esquecido (2003).
Conclui meu curso de Publicidade religiosamente nos quatro anos propostos. O que
não foi difícil, pois, enquanto meus colegas correram ao mercado em busca do que
não encontraram no curso, eu ficava em tempo integral na ECA - trabalhando,
pesquisando, participando de palestras, eventos, discussões. Fiz meu TCC com a
orientação da professora Cremilda Medina, após um briga com o meu departamento
que não aceitava orientações de outros departamentos.
Mas neste ponto, o caminho já havia me escolhido, ou seja, fluiu. Continuei
participando do São Paulo de Perfil sem bolsa,ajudando a fechar o último livro
publicado da série – USP Leste e Seus Vizinhos (2005). Todo esse estímulo levo agora
para o mestrado, onde coloco esses livros em ação (saraus de leitura em escolas e
bibliotecas).
Considero a prática da professora Cremilda como educomunicação, de certa forma.
E foi isso que me inspirou a realizar minha dissertação, que explora as questões
preocupantes das instituições basicamente de ensino a respeito da leitura e propõe
uma perspectiva a partir do projeto de pesquisa da professora Cremilda, que
chamamos de Signo da Relação. Ou seja, nunca havia parado para refletir o que
naturalmente me propus a realizar, sem nomeações, era o que se denomina
Educomunicação.
7) Saber científico e mediadores-autores das mídias
Prova de que a Educação e a Comunicação andam de mãos dadas na trajetória
profissional de Cremilda Medina, está no aumento do número de discípulos orientados
por ela nos cursos de Mestrado e de Dourado. A preocupação com outros nós da
comunicação social, propondo que as fontes especializadas do saber cientifico e
mediadores-autores das mídias procurem o aperfeiçoamento da dialogia democrática,
está presente da tese de Márcia Blasques8, no curso de dourado.
8
Márcia Blasques, orientanda de Crenilda Medina no mestrado e no doutorado. No mestrado em Ciências da
Comunicação, sua dissertação foi voltada para discussão da relação entre o jornalista e o cientista do ponto de
26
27. — Concluí a graduação em jornalismo, em 1994, na ECA. Em 2005 terminei o
mestrado, em Ciências da Comunicação, também na ECA. Na dissertação de mestrado
discuti um pouco a relação entre o jornalista e o cientista do ponto de vista
epistemológico. E cheguei à conclusão (ainda incipiente, é claro), de que grande parte
dos problemas que esses dois profissionais enfrentam no momento em que têm que se
relacionar é a diferença de visões de mundo, ou de paradigmas. Agora, no doutorado,
estou avançando um pouco mais no assunto, tentando investigar o papel do jornalista
enquanto mediador na produção dessas matérias de ciência. E fiz um recorte na
questão das novas tecnologias. Quero dizer: considerando as reportagens produzidas
para o meio on-line e as ferramentas que permitem cada vez mais a interação entre os
vários atores envolvidos, qual o papel do jornalista? De que maneira ele pode
realmente ser um mediador entre os cientistas e o público leitor. E, novamente por
uma escolha de foco, vou trabalhar com leitores-estudantes de ensino fundamental (5ª
a 8ª séries).
— Acho que já deve ter dado a perceber que, para mim, a relação entre comunicação
e educação é total. Por vários motivos. Ora, se os PCNs apregoam uma aproximação
dos conteúdos escolares da realidade, os livros didáticos não dão mais conta do recado
sozinhos. Temos como exemplo recente o caso da nova classificação dos planetas. Isso
será incorporado aos livros, na melhor de todas as hipóteses, apenas para o próximo
ano. Enquanto isso é a mídia, e todo o material produzido pela comunicação social,
que vai atuar nessa esfera de atualização de conteúdos. Isso, claro, é apenas um
exemplo, mas existem vários. Professores utilizam material de jornal e revistas para
incentivar debates, para realização de trabalhos, etc.
— Por isso, nós, comunicadores, temos que ter essa noção, essa responsabilidade
social de saber que o conteúdo que produzimos não é – ao contrário do que muitos
acreditam – volúvel e de curta duração. Ele se propaga de maneira incontrolável... E
mais: o que escrevemos – especialmente no que se refere ao jornalismo de ciência,
que é minha área de estudos – é tomado como verdade incontestável por grande parte
do público. Se, passamos noções equivocadas, como as idéias de uma ciência única,
de verdade absoluta da ciência, de ciência capaz de salvar a humanidade de todos os
problemas, etc., essas noções são assumidas como verdadeiras, a priori, por parte
vista epistemológico. No doutorado está investigando o papel do jornalista enquanto mediador na produção de
matérias de ciências
27
28. considerável dos leitores. Afinal, a relação que existe entre os leitores e um meio de
comunicação é uma relação de confiança – ou ninguém nos leria, certo?
8) Livros Publicados
- A Arte de Tecer o Presente, em co-autoria com Paulo Roberto Leandro, Edição
dos Autores Esgotado. (1973)
- Notícia: um Produto à Venda – Jornalismo na Sociedade Industrial. Editora
Alfa Omega, São Paulo. (1978)
- El Rol Social Del Periodista, CIESPAL, Quito, Equador (1980)
- Profissão Jornalista Responsabilidade Social, versão em português do livro
supra-citado. Editora Forense, Rio de Janeiro. (1982)
- Viagem à Literatura Portuguesa Contemporânea. Editora Nórdica,
Rio de Janeiro (1983)
- A Posse da Terra – Escritor Brasileiro Hoje. Co-edição Imprensa Nacional Casa
da Moeda e Secretaria da Cultura do Estado de São Paulo, Lisboa, Portugal (1985)
- Entrevista, o Diálogo Possível. Editora Ática, São Paulo (1986)
- Atravessagem, ensaios. Editora Summus (1986)
- Sonha Mamana África. Editora Epopéia, São Paulo (1987)
- O Jornalismo na Nova República. Org. Cremilda Medina - Editora Summus, São Paulo
(1987)
Série São Paulo de Perfil
Coordenação e organização: Cremilda Medina
- Virado à Paulista – ECA/USP - (1987)
- Vozes da Crise – ECA/USP - (1987)
- Nos Passos da Rebeldia – ECA/USP - (1987)
- Forró na Garoa – ECA/USP - (1989)
- Hermanos Aqui – ECA/USP - (1989)
- A Casa Imaginária – ECA/USP - (1989)
- Paulicéia Prometida – ECA/USP - (1990)
- À Margem do Ipiranga – ECA/USP - (1990)
- A Escola no Outono – ECA/USP - (1991)
- O Primeiro Habitante – ECA/USP - (1991)
- Farra Alforria – ECA/USP - (1992)
- Tchau Itália, Ciao Brasil – ECA/USP - (1993)
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29. - Guia das Almas – ECA/USP - (1993)
- Nau dos Desejos – ECA/USP - (1994)
- Vamos ao Centro – ECA/USP - (1994)
- Tietê, Mãe das Águas – ECA/USP - (1995)
- Bem Viver, Mal Viver – ECA/USP - (1996)
- Axé – ECA/USP - (1996)
- Mundão Veio Sem Porteira – ECA/USP - (1997)
- Chá de Bambu – ECA/USP - (1998)
- Cotidiano do Metrô – ECA/USP - (1999)
- Ó Freguesia, Quantas Histórias – ECA/USP - (2000)
- Viagem ao Sol Poente – ECA/USP - (2001)
- Sagas do Espigão – 90 Anos de Medicina e Vida – ECA/USP - (2002)
- Caminho do Café – Paranapiacaba: Museu Esquecido – ECA/USP - (2003)
- USP Leste e Seus Vizinhos – ECA/USP - (2004).
Coleção Novo Pacto da Ciência
Organização: Cremilda Medina
- Novo Pacto da Ciência 1: A Crise dos Paradigmas – ECA/USP - 1992
- Novo Pacto da Ciência 2: Do Hemisfério Sol – ECA/USP – 1993
- Novo Pacto da Ciência 3: Saber Plural – ECA/USP – 1994
- Novo Pacto da Ciência 4: Sobre Vivências – ECA/USP – 1995
- Novo Pacto da Ciência 5: Agonia do Leviatã – ECA/USP – 1996
- Novo Pacto da Ciência 6: Planeta Inquieto – Direito ao Século XXI – ECA/USP – 1997
- Novo Pacto da Ciência 7:Caminhos do Saber Plural – Dez anos de trajetórias –
ECA/USP – 1999
- Novo Pacto da Ciência 8: Ciência e Sociedade Mediações jornalísticas – ECA/USP –
2005
Publicações de Circulação Dirigida aos Cursos de Pós-Graduação
- Hemisfério Sol – 1, Coletânea de textos organizados por Cremilda Medina e produzida
pelos estudantes de pós-graduação, no curso Teorias Latino-Americanas de
Jornalismo
e Comunicação Social, reunindo as tendências teóricas dos anos 40 aos anos 70.
ECA-USP, Maio de 1988.
- Hemisfério Sol – 2, Coletânea de textos latino-americanos (originais cedidos
pessoalmente para circulação dirigida) organizados por Cremilda Medina para o curso
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30. de pós-graduação, Teorias Latino-Americanas de Jornalismo e Comunicação Social
ECA-USP, Abril de 1988.
- Hemisfério Sol – 3, Coletânea de ensaios organizada por Cremilda Medina e
produzida
pelos estudantes de pós-graduação em Ciências da Comunicação no curso Teorias
Latino-Americanas de Jornalismo e Comunicação Social. São leituras culturais de
Romances latino-americanos. ECA-USP, Janeiro de 1989.
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